Mesmo quando não escolhemos, ainda temos escolha
Entre insufláveis, música e sorrisos de muitas crianças, o momento era de festa, mas também de reflexão. Naquela manhã, tropecei numa entrevista antiga de arquivo com Viktor Frankl — uma daquelas pérolas que o tempo guardou. Viktor Frankl, autor do livro “O Homem em Busca de um Sentido”, psiquiatra austríaco que experienciou os horrores do Holocausto e que perdeu tudo: a sua mulher, os pais, o irmão.
Foi privado da sua liberdade, da sua identidade, da sua dignidade. Trabalhou em condições sub-humanas, passou frio e fome, foi espancado. E mesmo ali, nos campos de concentração nazis, naquele lugar onde a humanidade parecia ter sido apagada, encontrou um sentido para a sua existência e uma liberdade interior que ninguém lhe poderia tirar.
Viktor Frankl sobreviveu ao Holocausto e, da sua experiência nasceu um dos testemunhos mais transformadores do século XX: a ideia de que o sentido da vida pode ser encontrado mesmo no meio da dor mais crua, se conseguirmos resgatar em nós a capacidade de escolher a nossa atitude.
Durante a entrevista, ouvi-o falar sobre a liberdade. Frankl contava que o ser humano nunca é totalmente livre das suas condições, sejam elas biológicas, emocionais ou sociais, no entanto, a liberdade plena está sempre ao nosso alcance, isto é, a liberdade de enfrentar quaisquer condições adversas.
Por outras palavras: não conseguimos escolher aquilo que nos acontece, mas o modo como reagimos às condições impostas, é uma decisão nossa. Ou seja, se não pudermos mudar uma situação, ainda nos resta a liberdade de mudar a nossa atitude perante essa situação.
As suas palavras tocaram-me profundamente e, nessa tarde, não resisti a partilhar esta história, pois senti que ela precisava de ser contada ali, entre famílias que conhecem, como poucas, o desafio de aceitar uma condição que não escolheram, mas à qual responderam com amor, com cuidado, com resiliência.
O autismo, como outras expressões da neurodiversidade, não é uma prisão ou limitação no sentido clássico. É uma forma única e diferente de estar no mundo, de o sentir, de o interpretar, de o expressar. É uma condição que desafia a sociedade a sair do conforto da norma e a abraçar a diferença com empatia.
A inspiração para escrever este artigo nasceu ali mesmo, naquele momento de partilha com as famílias. Foi ao observar o olhar de quem vive a diferença todos os dias, que percebi que a mensagem de Viktor Frankl não pertence apenas aos livros ou à história — pertence a todos nós. Porque a verdadeira liberdade não está em controlarmos tudo o que nos acontece, mas em escolhermos, com coragem e dignidade, quem queremos ser dentro do que nos acontece. E se há algo que o autismo nos ensina, é isso mesmo: há muitas maneiras de ser, de amar, de comunicar e de viver. Basta estarmos dispostos a escutar.