Associativismo e poder local
A liberdade de Abril, assumida com entusiasmo nesse “dia inicial inteiro e limpo”, corporizou-se de diversas formas perante os nossos olhos, alterando de forma visível, a tessitura edificada e humana do nosso território.
E se, ainda antes da Revolução dos Cravos, as associações e as coletividades, já correspondiam à necessidade auto-explicativa da partilha e da vivência conjunta, a partir daquele relevante momento histórico, ganharam ânimo suplementar e passaram a ser locais de acelerado exercício de cidadania ativa e de marcada evolução individual e comunitária.
Com a passagem do tempo essa dádiva espontânea, organizada e sustentada na vontade de realizar pelo desejo de contemplação da obra coletivamente alcançada, foi sendo disciplinada e mutada por diversos fatores, nomeadamente pelo exercício da utilidade do ato.
A essa potencial subserviência à utilidade do ato, associaram-se nos últimos anos, os efeitos combinados da erosão do conceito de liberdade e do exercício invasivo das lógicas de poder, nomeadamente as relacionadas com o poder local. Assim, sobretudo após a entrada na União Europeia, muitas foram as coletividades que se especializaram, que se profissionalizaram e que passaram a prestar serviços socialmente instrumentais, abandonando ou secundarizando o seu perfil cultural/recreativo e a sua espontaneidade contemplativa inicial.
Adicionalmente, com essa profissionalização, outros objetivos formais e informais assumiram palco interno, criando-se assim dependências financeiras a entidades externas, naturalmente geradoras de obediências de diversa natureza.
É, hoje, sobre as obediências informais que mais interessa refletir, por ser no seio destas que o poder local estabelecido (o célebre status quo), encontra caminho próprio para se eternizar, mesmo que propiciando uma fragilidade indevida a estas organizações.
De facto, a dialética entre o poder local e a vivência comunitária, passou a fazer-se de forma mais estreita, baseando-se essa relação numa regular circulação de financiamento e de facilidades que se retroalimentam, com potencial prejuízo da naturalidade basal das coletividades e com demérito notório do princípio fundador que é a liberdade associativa e que - preservando-se o apoio conjunturalmente necessário - urge devolver à comunidade. É, também essa, uma responsabilidade política local.