O tempo não espera pela mudança
Quais são as semelhanças e diferenças entre as desigualdades raciais do passado e as desigualdades de género atuais nas organizações? A pergunta incomoda? Talvez tenhamos tocado num ponto sensível. Cresci na África do Sul durante o apartheid. Vivi num país onde o acesso à educação, ao trabalho e até aos espaços públicos era determinado pela cor da pele. A população negra tinha os trabalhos mais duros, os salários mais baixos e uma educação limitada – não por falta de inteligência, mas porque, geração após geração, foi privada das mesmas oportunidades que a população branca tinha. Essa desigualdade não desapareceu sozinha com o fim do apartheid. Foi necessário um "empurrão" legislativo, com quotas obrigatórias para integrar a população negra em espaços de decisão.
Não se tratava de retirar mérito à população branca que ocupava esses lugares. Tratava-se de corrigir um desequilíbrio estrutural, dando a oportunidade a quem nunca a teve. Porque talento e competência existem em todas as pessoas, o que falta, muitas vezes, é a oportunidade de os desenvolver e demonstrar.
Agora, vamos ao ponto principal: Será que não estamos a falar exatamente do mesmo quando olhamos para a desigualdade de género? Durante séculos, a mulher foi condicionada ao papel de cuidadora. O acesso a cargos de poder e decisão foi-lhe negado. O resultado? Um mundo onde os homens dominam as lideranças. E tal como aconteceu na África do Sul, se esperarmos que a mudança ocorra de forma orgânica, podemos esperar sentados. As previsões mostram que, ao ritmo atual, a paridade de género em cargos de liderança poderá demorar mais de 4 décadas a ser alcançada. Confesso que, quando ouvi falar de quotas de género pela primeira vez, a minha reação foi de ceticismo.
Questionei-me: será que isto não desvaloriza as mulheres que chegam ao topo pelo seu mérito? Será que o facto de existir um número obrigatório de lugares femininos não cria a ideia errada de que as mulheres precisam de "ajuda" para ocupar essas posições?
Mas depois, refleti. E percebi que, se esperarmos que a mudança aconteça apenas porque sim, estaremos a iludir-nos. A própria África do Sul é um exemplo disso. Se o país não tivesse adotado medidas concretas para garantir a inclusão da população negra nos setores de poder, as desigualdades históricas poderiam ter-se perpetuado por muitas mais décadas.
As quotas foram um instrumento para equilibrar uma balança que estava desajustada há séculos. Se as quotas de género são a solução perfeita? Provavelmente não. Mas são um meio necessário para acelerar um processo que, de outra forma, poderia demorar várias gerações. Não quero que mulheres sejam escolhidas apenas por serem mulheres. Quero que tenham as mesmas oportunidades para mostrar o que valem.
O mesmo direito a provar competência. O mesmo direito a chegar ao topo porque são boas, não porque são exceções. Se a história nos ensinou algo, é que o tempo, sozinho, não conserta desigualdades. Para haver mudança, é preciso ação.