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Arquivado inquérito a denúncia de Liliana Cunha sobre pianista de jazz
O inquérito aberto após a denúncia da DJ Liliana Cunha contra o pianista João Pedro Coelho foi arquivado por a queixa ter sido apresentada mais de um ano após o alegado crime ter acontecido.
De acordo com fonte oficial do Ministério Público, em resposta a um pedido da Lusa, “o inquérito conheceu despacho de arquivamento porque, estando em causa crime semipúblico, não foi apresentada queixa no prazo legal para o efeito”.
A DJ Liliana Cunha, conhecida no meio artístico como Tágide, fez no início de novembro do ano passado uma denúncia nas redes sociais, identificando o pianista de jazz João Pedro Coelho como o alegado agressor.
Depois de denunciar publicamente o seu caso, a artista apresentou queixa na PSP contra João Pedro Coelho, acusando-o de violação e ‘stealthing’ (não-utilização ou retirada de preservativo sem consentimento do/a parceiro/a), numa situação alegadamente ocorrida em maio de 2023.
Pouco depois de a denúncia ter sido tornada pública, o músico refutou as acusações e reclamou “total inocência”, através das redes sociais.
Em dezembro, o Ministério Público confirmou à Lusa que tinha sido aberto um inquérito, que estava em investigação no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP), mas não esclarecia os crimes pelos quais o pianista de jazz estava a ser investigado.
Em Portugal, as queixas por violação têm de ser apresentadas no prazo de um ano após a ocorrência do alegado crime e o ‘stealthing’ não é considerado crime.
Em declarações à Lusa, Liliana Cunha lamenta que o processo não chegue sequer a tribunal, “à parte de ouvir as testemunhas, de ouvir os dois lados, tentar entender o que se passou”.
Para a artista, “é uma injustiça muito grande que por questões temporais o caso não siga para a frente, e a pessoa em causa fique ilibada de qualquer eventual sanção ou o que quer que seja que lhe fosse imputado”.
“As vítimas precisam de imenso tempo para expor o assunto, e por vezes até para se aperceberem que foram vítimas”, afirmou.
Embora o inquérito tenha sido arquivado, o empenho de Liliana Cunha mantém-se: “A parte de consciencialização do ‘stealthing’ é muito importante e vai continuar, nesta campanha de ativismo”.
Na sequência da denúncia que fez, foi lançada em 16 de novembro uma petição ‘online’, com os signatários a pedirem uma alteração da lei portuguesa para criminalizar o ‘stealthing’ como “uma violação do consentimento sexual”, de modo a que as vítimas tenham “um processo claro para oficializar a denúncia e buscar justiça”.
Em quatro dias foram angariadas as 7.500 assinaturas necessárias para que seja discutida no parlamento.
De acordo com a artista, a petição deve ser entregue na Assembleia da República em março.
A denúncia pública de Liliana Cunha levou outras pessoas a partilharem histórias de assédio e abusos no meio artístico português.
Ao longo dos últimos quatro meses, Liliana Cunha contabilizou cerca de 180 denúncias de assédio e abuso, tanto sexual como moral e de poder, de violação e de agressão, relativas a mais de 75 pessoas do meio artístico, a larga maioria homens e incluindo trabalhadores de instituições de ensino.
De todas as denúncias, dez passaram a queixas apresentadas às autoridades.
O número de denúncias chega agora em menor número do que nas primeiras semanas, mas “o canal de denúncias continua aberto” e várias pessoas têm partilhado as suas histórias com Liliana Cunha, muitas vezes sem nomearem o nome do alegado agressor, “por medo”.
Quando as primeiras denúncias vieram a público, a associação Plateia lamentou a inexistência de uma plataforma de recolha de queixas e de um sistema de “proteção eficaz” das vítimas, defendendo uma mudança estrutural, que ajude na prevenção e promova alterações legislativas.
Na mesma altura, outras associações contactadas pela agência Lusa manifestaram preocupação e apontaram a necessidade de reforço de medidas.