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Ephemera envolve-se no projeto do Centro Interpretativo do Estado Novo de Santa Comba Dão
A Câmara de Santa Comba Dão e a associação cultural Ephemera vão trabalhar juntas na concretização do Centro Interpretativo do Estado Novo, com um projeto que vai “acabar de vez com qualquer suspeita de saudosismo da ditadura”.
Na sexta-feira, será celebrado um protocolo de cooperação entre a Ephemera - Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira e aquela autarquia do distrito de Viseu, de onde é natural António Oliveira Salazar, figura maior do Estado Novo.
Pacheco Pereira adiantou hoje à agência Lusa que o projeto do Centro Interpretativo do Estado Novo 1926/1974 – Regime e Resistência, a instalar na Escola Cantina Salazar, no Vimieiro, “é diferente dos projetos polémicos anteriores”.
“Não trará apenas o estudo do regime, e mesmo assim isso já era importante, mas também da resistência ao regime. Não há aqui o mais pequeno saudosismo relativamente a Salazar ou ao Estado Novo. O que nós vamos fazer é pegar nesses materiais e, em conjunto com outros, garantir uma história científica rigorosa daquilo que foram 48 anos de ditadura”, garantiu.
O político, professor e investigador da história contemporânea portuguesa lembrou que a ditadura portuguesa foi “a mais longa da Europa, com exceção da União Soviética”.
“Portanto, não conseguimos estudar o século XX português de um ponto de vista rigoroso e científico sem esse tipo de análise dos documentos”, afirmou Pacheco Pereira, que, ainda jovem, iniciou atividade política, opondo-se ao regime fascista.
Como a Ephemera pretende “salvar tudo o que é relevante para a história”, decidiu envolver-se neste projeto, que desde o início tem estado envolvido em polémica, devido ao receio de que 'ressuscite' o fascismo.
“Eu lutei contra a ditadura, a maior parte das pessoas que faz parte deste projeto esteve presa ou não tem sombra de suspeita de ter qualquer simpatia por Salazar. Portanto, não temos complexos que não nos permitam tratar destas matérias”, sublinhou.
Há quase duas décadas que os executivos camarários – primeiro liderados pelo social-democrata João Lourenço e depois pelo socialista Leonel Gouveia – falam do projeto, argumentando que seria uma forma de alavancar o desenvolvimento turístico.
“A coisa tem sempre corrido mal. Isto é um terreno armadilhado, mas temos um instrumento para o desarmadilhar que é a história”, frisou Pacheco Pereira, que é autor de vários livros de História e de Política.
Segundo Pacheco Pereira, há pelo mundo projetos idênticos, mas “em Portugal criou-se a ideia de que qualquer trabalho sobre este período e em particular neste sítio, onde há traços muitos fortes da presença de Salazar”, poderia ser saudosista.
“A escola é muito diferente das escolas habituais, muito mais rica e interessante. Ela existe e o que nós queremos é que não se transforme numa pousada ou numa habitação de luxo”, afirmou.
No convite enviado aos jornalistas para a assinatura do protocolo de colaboração, a autarquia e a Ephemera referem que esta iniciativa conjunta visa “abrir caminho ao estudo histórico de todos os aspetos políticos, militares, biográficos, económicos, sociais, culturais e iconográficos desse período”.
Haverá uma comissão científica constituída por “historiadores e académicos prestigiados”, que garantirá, “assim como a Associação Cultural Ephemera, a autonomia do projeto, a prioridade da preservação da memória documental e a investigação”.
“Este projeto servirá também a população de Santa Comba Dão, trazendo debates, exposições, investigadores nacionais e internacionais à autarquia”.
A minuta do protocolo que será assinado na sexta-feira foi aprovada por unanimidade pelo executivo camarário, no dia 11.
Apesar das acusações à autarquia de que queria usar um ditador para promover o concelho, durante estes anos o projeto passou por várias fases, tendo mesmo integrado uma rede de centros interpretativos ligados à história e à memória política da primeira República e do Estado Novo, que não teve continuidade.