Projeto inovador nos cuidados a idosos em Almada oferece sorrisos ao domicílio
Laurinda Lobo tem 90 anos, vive sozinha no centro da cidade de Almada, e é com uma alegria indisfarçável que recebe a terapeuta ocupacional para, entre jogos e brincadeiras, lhe roubar sorrisos e lhe dar cor aos dias.
A dona Laurinda, como é carinhosamente chamada, é uma das 185 utentes a usufruir de um serviço de apoio domiciliário que vai para lá dos cuidados básicos, mas que poderá vir a terminar com o fim do seu financiamento.
O Sorrisos ao Domicílio é um projeto da Santa Casa da Misericórdia de Almada, que ganhou financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian, no âmbito da iniciativa “Gulbenkian Home Care”, para levar aos seus utentes atividades como a terapia ocupacional, a música, a hipoterapia ou a estimulação multissensorial Snoezelen, contribuindo assim para uma mudança de paradigma na prestação de cuidados.
É o mundo a entrar nas suas casas mantendo-as com vida.
“É uma distração para mim. Eu gosto de jogos, de coisas que me entretenham”, explicou Laurinda em declarações à agência Lusa depois de uma sessão com a terapeuta Cláudia, em que a aposta foi jogar bingo, estimulando o movimento das mãos, a memória, a concentração e, ao mesmo tempo, a boa disposição, principalmente porque o prémio era um chocolate.
O jogo teve como vencedora a dona Laurinda, e Cláudia Lima, a terapeuta, que tem como função levar sorrisos, na verdade também se diverte com a jovialidade da nonagenária e a alegria de quem afirma com assertividade: "eu gosto de viver, sabe".
É nesse gosto pela vida que a dona Laurinda diz que até aprendeu a trabalhar com um tablet para poder falar por Skype com a sua única filha, que vive no Canadá.
E se o sorriso, como correntemente se afirma, é o espelho da alma ou o reflexo do coração, o da Cláudia Lima é o exemplo dessa expressão. Foi um acaso que a trouxe ao apoio domiciliário, porque inicialmente pensava que a sua vocação era trabalhar com crianças, mas hoje sente-se realizada e já ficou a saber que depois do fim do projeto a Misericórdia de Almada vai mantê-la.
“A minha vocação é cuidar dos outros. Aqui estou a cuidar de alguém, estou a fazer a diferença na vida de alguém, por isso é que este é o meu lugar”, explica a terapeuta que acompanha, no âmbito do projeto, idosos com diferentes necessidades, interagindo não só ao nível da estimulação cognitiva, como também do movimento e no apoio a atividades da vida diária como, por exemplo, acompanhá-los em tarefas simples como ir ao banco, à manicure ou à mercearia do bairro.
Acima de tudo, conta, leva alegria e um alento a casa das pessoas: “mais do que a terapia, quero é que se sintam bem. Acho que faço a diferença na vida delas, no seu dia-a-dia e na sua autonomia”.
Mas nem todos são autónomos. É o caso da dona Maria, doente com Alzheimer e uma das utentes que, além dos cuidados básicos, usufrui, ao abrigo deste projeto, de uma terapeuta que usa a técnica de estimulação multissensorial Snoezelen.
Quando Neuza Coelho (psicomotricista) entra na casa da dona Maria esta está por vezes adormecida e pouco reativa aos estímulos, mas a paciência e a entrega da especialista acaba por lhe conseguir roubar sorrisos e fazer regressar o brilho aos seus olhos azul céu. Há um resgate da pessoa em cada passo.
Usando a técnica Snoezelen, Neuza Coelho procura abrir gavetas de memórias.
“Isto é muito emocional. Dou muito de mim. São pessoas que mal falam, que reagem com algum sorriso ou alguma palavra simples. Sei que dei algum do meu amor e da minha emoção porque, quando me veem, há um efeito reflexo”, disse, explicando que, na verdade, esta é a vida que sempre quis, cuidar de “muitos avós”.
A dona Maria Cruz Luís não fala, mas durante o tempo em que Neuza Coelho procura oferecer estímulos sensoriais com música, luz, estimulação tátil e aromas, usando a terapia Snoezelen, existem momentos de felicidade no seu rosto.
“A minha mãe não fala, ela não diz nada, mas nota-se pelo olhar, pela forma de estar, que fica mais tranquila, mais calma e que era importante ter aqui este incentivo”, explica a filha, Cristina Madeira, em declarações à agência Lusa.
Cristina Madeira vinca que se nota alguma evolução sensorial e o pai, que sofre de Parkinson, acaba também por usufruir deste serviço, porque está sempre presente, o que lhe permite participar.
O fim deste projeto-piloto, financiado também pela Fundação La Caixa, é visto com tristeza quer pelos utentes e familiares quer pelos técnicos, embora segundo Vera Oliveira, diretora técnica do Serviço de Apoio Domiciliário da Misericórdia de Almada, tenha deixado algumas sementes.
Cláudia Lima, a terapeuta ocupacional, vai continuar a visitar a Dona Laurinda e outros tantos utentes da Misericórdia de Almada e as técnicas do apoio domiciliário receberam formação e vão dar continuidade a algumas atividades.
Vera Oliveira explicou que uma das premissas do apoio domiciliário da Santa Casa da Misericórdia de Almada foi inovar, não se prendendo apenas nos cuidados básicos.
Com esta linha de financiamento de um total de 75 mil euros (da Gulbenkian e da Fundação La Caixa), adiantou, surgiu a alavanca para fazer algo ainda mais inovador, complementado o serviço de apoio domiciliário com outras atividades de forma gratuita.
Contudo, sem esse financiamento extra, o projeto perde valências porque, explica, nem as famílias, nem as instituições conseguem fazer face aos valores necessários para as manter.
Fica o legado desta abordagem diferenciadora ao ter permitido capacitar as cuidadoras formais com outras ferramentas e ficam os sorrisos partilhados durante as várias atividades inovadoras que foram oferecidas aos utentes, assim como a esperança de um dia as sementes plantadas voltarem a florir.