Municípios dizem que falta de financiamento é o principal obstáculo à recolha seletiva
A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) considera que a falta de financiamento é o principal obstáculo ao avanço da recolha seletiva de resíduos pelas autarquias, que em 1 de janeiro passam a recolher também têxteis, resíduos perigosos e mobiliário.
Em resposta a questões da Lusa, a presidente da ANMP, Luísa Salgueiro, defendeu ainda que “é imprescindível” suspender o previsto aumento em 2025 da Taxa Geral de Resíduos (TGR) para 35 euros por tonelada, porque “não há nada que legitime, minimamente, um agravamento tão acentuado e incomportável desta taxa” nos últimos anos, uma vez que “os governos não planearam nem investiram o suficiente em alternativas a aterros”.
Segundo a representante, as entidades responsáveis pelos sistemas municipais de gestão de resíduos urbanos “têm vindo a desenvolver o trabalho necessário para conseguirem cumprir” o objetivo de operacionalizar, a partir de 1 de janeiro de 2025, uma rede de recolha seletiva de resíduos têxteis, resíduos perigosos e resíduos de mobiliário e outros volumosos, conforme determina o Regime Geral de Gestão de Resíduos, mas “têm esbarrado num grave problema: a falta de financiamento”.
Apesar de já haver experiência em alguns territórios, a recolha obrigatória de resíduos têxteis, especificou, “vem estabelecer novos desafios aos municípios, a diferentes níveis, desde logo quanto à necessidade de financiamento adequado para garantir os investimentos na implementação de novos sistemas de deposição e de novos circuitos de recolha para estes novos fluxos ou ainda para a ampliação dos sistemas existentes”.
“O Fundo Ambiental, em 2024, não contemplou qualquer apoio financeiro para a implementação da recolha seletiva deste novo fluxo, e de outros, o que complicou a missão dos municípios. Neste momento, em que o ano está a acabar, aguardamos com expectativa que o Fundo Ambiental para 2025 contemple este fluxo de resíduos, à semelhança do que já acontece com os biorresíduos”, acrescentou.
Segundo a associação, as autarquias “estão empenhadas em alcançar as metas definidas pelo Governo”, contidas no Plano Estratégico de Resíduos Urbanos (PERSU 2030), e elaboraram os seus próprios planos de ação, mas precisam do apoio financeiro para os executarem no terreno, “o que até agora ainda não aconteceu”.
As metas da União Europeia para a reutilização e reciclagem de resíduos urbanos são de 55% até 2025 e de 65% até 2035, mas o relatório mais recente da Agência Portuguesa do Ambiente (divulgado em outubro) revelou que, em 2023, a percentagem registada em Portugal foi de 32%, muito longe dos objetivos fixados.
Dados oficiais referentes a 2022 revelam que a deposição de resíduos urbanos em aterro foi de 57% em Portugal (cerca de 2,9 milhões de toneladas), ou seja, a maior parte destes resíduos ainda tem como destino os aterros, que estão a esgotar a sua capacidade.
A situação para os municípios tem vindo a ser progressivamente “mais insustentável” com o aumento, nos últimos anos, da TGR, uma taxa que os municípios pagam ao Estado pelo tratamento e depósito de toneladas de resíduos em aterro, e que acaba por se refletir na tarifa que os consumidores pagam na fatura da água.
Com o objetivo de reduzir o depósito em aterro, o Regime Geral da Gestão de Resíduos estabeleceu que o depósito em aterro iria ficar mais caro progressivamente: em 2022 a TGR “duplicou, passando de 11 euros (€) para 22€ por tonelada”, em 2023 subiu para 25€ por tonelada e em 2024 passou para 30€ por tonelada.
“A previsão de mais um aumento da TGR, em 2025, para 35€ por tonelada, a verificar-se, representará um aumento de 218% em três anos, o que é inaceitável”, considerou Luísa Salgueiro.
Para a ANMP, “é imprescindível refletir sobre esta taxa e suspender o aumento” previsto para o próximo ano, até porque “os governos não planearam nem investiram o suficiente em alternativas a aterros”.
“Em matéria de resíduos, temos um grande trabalho pela frente. É preciso adotar estratégias para reduzir a quantidade de resíduos e é necessário estudar as infraestruturas existentes atualmente para percebermos se podem ser ampliadas ou se é preciso construir novas. Uma coisa é certa: não podemos continuar a enviar lixo para aterro como se os aterros fossem poços sem fundo. Esta é uma responsabilidade que é de todos nós: cidadãos, decisores, entidades gestoras e sistemas de gestão de resíduos urbanos. Há que repensar todo o circuito dos resíduos”, concluiu Luísa Salgueiro.
Devido ao atraso no cumprimento das metas, no final de novembro o Governo criou o Grupo de Trabalho para os Resíduos para encontrar soluções que ajudem a reduzir a deposição de resíduos urbanos em aterros, de modo a alcançar as metas previstas no PERSU 2030.
Este grupo, do qual a ANMP faz parte, terá até 31 de janeiro de 2025 para apresentar um plano de emergência “que atenda ao esgotamento previsível dos aterros nos próximos anos e, a médio prazo, de identificar as situações relativas a ampliações e ou criação de novas infraestruturas de tratamento de resíduos”.
A ANMP realiza em 23 de janeiro de 2025, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, um encontro nacional sobre a temática dos resíduos, para discutir, de uma forma profunda, os desafios emergentes e a necessidade de financiamento para o setor.
Em 01 de janeiro de 2024 os municípios começaram a recolher obrigatoriamente biorresíduos, mas também neste fluxo a realidade está aquém dos objetivos. Um relatório da Entidade Reguladora do Setor da Água e Resíduos (ERSAR) de junho de 2024 concluiu que se verifica uma “fraca implementação da recolha seletiva de biorresíduos”.
Apenas 79 (43%) das 185 Câmaras que responderam a um inquérito da entidade reguladora informaram estar a recolher seletivamente biorresíduos e a maioria indicou que o sistema de recolha “não abrange toda a sua área de intervenção”.