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Ex-professor universitário de Coimbra vai a julgamento por caluniar magistradas

O arguido começa a ser julgado na segunda-feira, às 9h45

Um ex-professor universitário de Coimbra desafiou procuradora a teste de QI, questionou o gosto literário de uma juíza e considerou que magistradas atuavam por ódio contra homens, respondendo em tribunal por 19 crimes de calúnia.

O caso do julgamento que se inicia na segunda-feira, em Coimbra, começou a partir de um processo em 2019 em que o antigo docente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), de 59 anos, atualmente desempregado, era acusado pela procuradora do Ministério Público de coação, numa altercação contra uma vizinha, em Montemor-o-Velho, em que terá dito que a desfazia “toda”, caso não retirasse câmaras falsas que tinha instalado na sua casa para dissuadir potenciais assaltantes.

A atenção do Ministério Público (MP) em torno do caso, incomodou-o, acusando a procuradora de proteger “ralé” e permitir que fosse “enxovalhado por duas sopeiras que mal sabem ler”, referiu, num dos e-mails consultados pela agência Lusa.

No decorrer do processo que foi a julgamento (cujo desfecho a agência Lusa desconhece), começaram a surgir várias comunicações do professor universitário dirigidas à procuradora responsável pela acusação e a duas juízas, relata a acusação do MP.

No ano de 2022, em dez comunicações algo extensas (uma delas com 132 páginas), o docente universitário põe em causa, por diversas vezes, a inteligência e capacidade das magistradas.

Nas comunicações consultadas pela Lusa, o arguido afirma-se superior às magistradas, particularmente à procuradora, sobre a qual diz que as suas capacidades de inteleção são “limitadas”.

Aliás, o docente desafia a procuradora a “fazer testes de QI competindo” com o arguido, que deixou de ser docente em 2005, após reprovar na tese de doutoramento.

Nas comunicações, o docente também se centra sobre erros gramaticais ou até o gosto literário das magistradas.

Sobre a procuradora, acusa-a de não saber “sequer que o sujeito de uma frase não pode ser separado do predicado através de vírgulas, a não ser que haja estrutura complementar entre as duas unidades morfossintácticas”.

Já de uma das juízas, acredita que estará “habituada à aridez da prosa bárbara do sistema judicial, possivelmente a única que aprecia”, deduzindo que “o gosto literário da juíza ficará pelo romance policial e por esse género romanesco afim da tragédia e da comédia, que é a lei”.

Num dos e-mails, acusa as magistradas de misandria (desprezo por pessoas do sexo masculino), alegando que o processo “acusa claro ódio de mulheres aos homens e não há como desfazer esta ideia”.

Noutro, pede à juíza para passar “sanitária prescrição de ansiolíticos ao Ministério Público, para o ajudar a curar a monomania e os tiques de tiranete”.

Em setembro de 2022, põe-se no lugar de uma estrela de futebol e às magistradas como árbitros.

Podem mandá-las [as estrelas de futebol] para o olho da rua durante uma partida, mas não […] marcam os golos com que elas levantam os estádios”, frisou.

Se por duas vezes nas comunicações que faz às magistradas sublinha a sua capacidade física e o gosto por pedalar grandes distâncias, já constituído arguido e obrigado a apresentações semanais, afirma ter “problemas de locomoção graves”.

Com a avaria do seu carro, pede a alteração das medidas de coação.

A contestação das medidas foi até à Relação, que julgou improcedente o recurso, recordando o próprio arguido de que nas mensagens às magistradas afirmava ser “cidadão adepto” do princípio mente sã em corpo são.

A partir das várias exposições endereçadas às magistradas, fica-se também a conhecer um pouco mais o arguido, que afirma ter policromia ocular (olhos verdes e azuis), falar 17 línguas, sendo o francês a sua segunda, acredita ser “o único cidadão do país que consegue ler a escrita logo-silábica cuneiforme” e preza o isolamento, “por causa da sordidez do meio” que o envolve.

Sobre o local onde vive, fala de “gentinha”, que “ainda verte à baldada o lixo caseiro diretamente no contentor, sem saco nem qualquer outra acomodação”.

Vivo aqui como Ovídio vivia no Ponto, depois de desterrado por Octávio César: entre bárbaros”, refere, num dos e-mails, intitulado “Últimas Palavras (?)”.

Apesar de algum desprezo pelo meio onde vive, diz que o coração do Baixo Mondego lhe dá “condições naturais muito boas”.

Diz viver para a cultura, referindo possuir 6.178 livros. Da sua biblioteca, fica-se também a saber que abundam “dicionários e obras sobre linguística”, deixando-os à disposição do Ministério Público, considerando que as acusações não deveriam ser publicadas sem antes consultar aquela sua coleção.

Apesar de acusado de 19 crimes de calúnia agravada, o ex-docente considera que nunca difamou, apenas argumentou, “à vez, com duas senhoras muito singulares no direito”, concluindo que todo o processo é “um número de ilusionismo”.

Numa das últimas comunicações, dirigindo-se à procuradora, despede-se com cumprimentos e “sem absolutamente nenhum ressentimento”, alegando ter “uma personalidade muito bem estruturada”.

Dezembro 6, 2024 . 18:15

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